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03/08/17

Desaparecidos políticos no Brasil

Vladimir Herzog, morto pela ditadura, faria 80 anos dia 27 de junho. A lembrança deste fato, assim como a história de outros desaparecidos políticos pela ditadura, constroem, de alguma forma, a memória do período militar no Brasil.

 

Já para uma geração pós-democratização, a memória da ditadura civil-militar “aparece como algo distante, que ao mesmo tempo que se fala, não se fala dela”, diz a cientista social, Letícia Rodrigues Ferreira Netto, que apresentou dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara, intitulada Presença e Ausência: A construção dos discursos de memória sobre desaparecidos políticos.

Para a geração de Letícia, que é nascida em um período após o regime, todo esse processo parece uma página em um livro de história, “mas para as pessoas que a vivenciaram e que ainda estão aqui, vivas e trabalhando, é uma chaga que não se cura”, ressalta.

A dissertação tem como foco a memória deste período e o debate ocorrido após o regime militar com base nos documentos oficiais, na forma como os discursos dos desaparecidos políticos foram construídos, e na imagem em nível nacional. “Faço essa discussão no campo dos estudos de memória e procuro comparar como os documentos civis, feitos pelas famílias, e os documentos oficiais, produzidos pela Casa Civil da Presidência e que vieram depois, mostram o desaparecido de uma maneira diferente a cada momento.”

Como forma de trazer a tona o outro lado dos arquivos, a cientista social também investigou a vida da desaparecida política Luiza Garlippe, da cidade de Araraquara, interior de São Paulo.

De acordo com o orientador, professor Edmundo Antonio Peggion, uma das contribuições importantes do trabalho é “chamar a atenção para as dimensões subjetivas da memória pessoal e familiar e suas articulações e dissenções em relação à memória social”, reforça.

Tanta coisa que eu tinha a dizer...
Como os desaparecidos políticos são reconstruídos nos documentos? Tendo como fio de partida esta questão, Letícia buscou nos documentos e nas entrevistas com familiares a forma como os desaparecidos eram abordados nos documentos oficiais; se ocorria o reconhecimento da família sobre o que estava escrito nestes registros; e quais eram os sentimentos destas famílias.

O levantamento dos dados foi feito nos registros oficiais: Brasil: nunca mais (Arquidiocese de São Paulo), de 1985; Dossiê feito pelo Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado (IEVE) e Comissão de Familiares, de 1995; documentos produzidos pela Casa Civil da Presidência, sendo o livro-relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (Cempd), de 2007; o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014; e as leis que instituem cada comissão, de 1995 e 2011.

“Em cada documento o desaparecido figura de uma forma”, reforça a cientista social. No Brasil: Nunca Mais a figura de um mártir e a palavra desaparecido aparece comumente entre aspas, “o que já mostra que essas pessoas não eram encaradas como desaparecidas, mas falecidas, ou cadáveres ocultos, como também volta a aparecer na CNV e, de certa forma, na lei 9.140/95 onde são todos considerados mortos para fins legais”.

No dossiê do IEVE, já existe uma aproximação com os direitos humanos internacionais e se distingue a morte oficial e o desaparecimento político - sendo que no desaparecimento o Estado não reconhece a morte, já que eles eram considerados “foragidos”. Neste arquivo, “os desaparecidos são trazidos de uma forma mais próxima, o que se assemelha com o que as famílias buscam e como se referem a eles”.

A CEMDP coloca os desaparecidos como opositores políticos e diferencia mortos políticos e desaparecidos políticos. O discurso da CNV de cadáver oculto aborda diferentemente as lembranças dos desaparecidos: ela se apresenta mais burocratizada e associada ao direito político, mas bem distante da vivência cotidiana, apesar das novas entrevistas com os familiares.

Já nas memórias de família, o que aparece nas entrevistas é a busca por um elemento de vida, de como as coisas aconteceram, como viviam os desaparecidos antes, o que sentiram, o que pensaram nos momentos de prisão e clandestinidade.

Segundo a pesquisadora, são perguntas que os próprios documentos não podem responder, tanto por se interessarem em resolver a questão jurídica, que é essencial para a adequação com o Direito Internacional, como por ser algo fora do alcance das próprias comissões.

“Acredito que a importância de se trabalhar com os dois tipos de documentação é a possibilidade de se perceber a intencionalidade da produção de um documento e de uma memória nacional”.

Para Letícia, perceber essa intenção “pode permitir uma atualização dos documentos”, de forma a incorporar mais direitos às pessoas sobre as quais eles versam, neste caso, as famílias de mortos e desaparecidos políticos.

Quem é Luiza Garlippe?
Luiza Garlippe, de codinome Tuca, é uma desaparecida política da cidade de Araraquara, interior de São Paulo. Era enfermeira e vinculada politicamente ao Partido Comunista do Brasil. Participou de atividades de guerrilha do Araguaia, atuando na área da saúde.

“O desaparecimento dela é um tanto conturbado, pois a CNV não indica como ocorreu exatamente”, diz a pesquisadora. Letícia avaliou os documentos de Luiza, tentando perceber como ela era retratada e o que se modificava. Conversou com alguns membros da família para entender como eles se relacionavam com os documentos. “Percebi que o que a família espera e o que as comissões podem responder são coisas distintas. O que é bastante triste”, finaliza.

 

Do Jornal da USP
Comunicação CNTU


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