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12/05/20

O Brasil sentou a púa e fez a cobra fumar

Por Carlos Magno Corrêa Dias

 

Em 8 de maio celebrou-se o Dia da Vitória, data na qual, em 1945, terminava oficialmente, na Europa, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Neste 8 de maio de 2020 festejamos 75 anos do fim daquele abominável conflito.

A Segunda Guerra Mundial começou em 1º de setembro de 1939 e pode ser considerada como o mais amplo, cruel, mortal e sangrento conflito armado da história da humanidade, no qual estima-se que entre 70 a 85 milhões de pessoas morreram e incalculáveis patrimônios da humanidade foram destruídos.

Entre as mortes, há de se observar, encontram-se, além dos milhões de militares, milhões de civis, devido à atividade militar ou em decorrência de crimes contra a humanidade, bem como milhões de mortes de civis em decorrência da fome ou de doenças ocasionadas pela guerra. A Segunda Guerra Mundial deve ser sempre lembrada como um alerta para se superar a miséria do homem pretender subjugar o próprio homem.

Comemore-se, com reflexão, a data do término da Segunda Guerra Mundial para que jamais algo sequer parecido possa acontecer novamente.

Mas, para nós, os brasileiros, os motivos para comemorar o fim daquela insanidade que foi a Segunda Guerra Mundial são ainda maiores, pois, graças ao esforço e determinação dos nossos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que participaram da “Campanha da Itália”, o fim daquele confronto foi em parte antecipado.

A FEB, criada em 15 de março de 1943, foi a força militar aeroterrestre constituída por 25.834 brasileiros, entre homens e mulheres, responsável pela participação efetiva do País na Segunda Guerra Mundial. Ao lado dos aliados, lutou na ”Campanha da Itália” no rompimento da linha gótica e na ofensiva aliada final naquela frente. A FEB era constituída por uma divisão de infantaria completa (Primeira Divisão de Infantaria Expedicionária – 1ª. DIE), por uma esquadrilha de reconhecimento e por um esquadrão de caça.

Desde o início da Segunda Guerra Mundial havia muitas dúvidas sobre a real possibilidade de participação do Brasil no conflito, tanto é que se falava ser “mais fácil uma cobra fumar um cachimbo que o Brasil participar da guerra na Europa”. Para contrariar semelhante descrença, a FEB adota, então, o lema “A cobra vai fumar”.

Muitos foram seus feitos na “Campanha da Itália”, a começar pela sua permanência ininterrupta por 239 dias em combate, o que, por si só, já foi uma ação notável e de memorável distinção naquele cenário miserável. Acrescente-se que poucas foram as divisões que conseguiram semelhante feito naquelas terras que sofriam intenso inverno na época.

Em combate direto, morreram 454 homens do Exército e cinco pilotos da Força Aérea Brasileira (FAB). Na sequência das batalhas, cerca de 2 mil mortes foram registradas, decorrentes dos ferimentos em combate.

Outras cerca de 12 mil baixas ocorreram em campanha, por mutilação, cegueira, infecções, amputações, distúrbios mentais ou outras causas que inviabilizavam a permanência no campo de batalha. Somando tudo, a partir do contingente inicial, mais de 22 mil combatentes brasileiros participaram daquele inferno em ações diretas; sendo, também, notável o correspondente percentual de participação.  

Mas, embora a Segunda Guerra Mundial tenha começado em 1º de setembro de 1939, somente em 15 de março de 1943 o Governo do Brasil aprovou o envio de tropas para participar do conflito.

O Brasil, antes da Segunda Guerra Mundial, mantinha tanto com a Alemanha quanto com os Estados Unidos uma série de acordos econômicos que em muito favoreciam os três países. A Alemanha havia se transformado no maior comprador do algodão brasileiro e no segundo maior comprador do café produzido no País. Os Estados Unidos, por sua vez, negociavam acordos econômicos para garantir o apoio do Brasil, tais como financiar a construção de siderúrgica em Volta Redonda e o fornecimento de equipamentos militares ao Brasil.

Assim, no início da Segunda Guerra Mundial, o País procurava manter sua política de neutralidade, não sendo interessante ficar de lado algum das grandes potências que se encontravam em conflito. Porém, no início de 1942, Brasil e Estados Unidos concordaram em manter bases aéreas na ilha de Fernando de Noronha e ao longo da costa norte-nordeste do Brasil. Inevitavelmente, a neutralidade do País no conflito tinha acabado, e o Brasil fizera a opção de estar ao lado dos aliados contra o Eixo (formado por Alemanha, Itália e Japão).

A partir de então, começam séries de torpedeamentos de navios mercantes brasileiros por submarinos ítalo-alemães na costa litorânea brasileira, os quais visavam impedir que o Reino Unido recebesse suprimentos (equipamentos, armas e matéria-prima) exportados das Américas. Embora antes desses episódios já tivessem ocorrido outras afrontas pelo mesmo agressor, inclusive com o registro de várias mortes de brasileiros.

Mas os ataques da Alemanha à costa do Brasil se intensificaram ainda mais e entre os dias 15 e 19 de agosto de 1942, no litoral nordestino, os alemães torpedearam embarcações brasileiras, matando 607 pessoas, entre marinheiros e civis; quando, a propósito, o Brasil ainda não estava em guerra. Guardadas as proporções e as circunstâncias, foi o “Pearl Harbor” brasileiro e, sem dúvida, a gota d’água para entrar oficialmente no conflito.

Após aqueles ataques alemães, o Brasil declara em 22 de agosto de 1942 guerra à Alemanha e à Itália. Nove dias depois, o Governo do Brasil, por meio do Decreto-Lei n. 10.358, formalizou o Estado de Guerra para todo o País.

Em 9 de janeiro de 1943, o Brasil declarou sua adesão à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Carta do Atlântico. No dia 29 do mesmo mês, os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos reúnem-se em Natal (RN) para definir a efetiva participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial por meio da FEB.

Cabe registrar que essa participação aconteceu, entretanto, mais por força da opinião pública, que se mobilizou para que o Governo do Brasil enviasse à Europa uma Força Expedicionária para lutar contra aqueles que eram nossos inimigos.

Enquanto o Brasil não estava oficialmente nos campos de batalha na Europa, as embarcações brasileiras continuavam sendo torpedeadas pelos submarinos alemães, e a FAB, em conjunto com aviões americanos, defendia a costa do Brasil, não sem registrar várias mortes e feridos.

A FAB foi criada em 20 de janeiro de 1941, como resultado da união entre as aviações da Marinha e do Exército, passando a ter comando único a partir de então, ficando sob a responsabilidade do recém-criado Ministério da Aeronáutica.

Em 18 de março de 1943, foi criado o Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º. G.Av.Ca.) da FAB, formado apenas por pilotos brasileiros, entre oficiais e praças, todos voluntários. O 1º. G.Av.Ca., conhecido como grupo “Senta a púa”, iniciou suas operações na Europa em 31 de outubro de 1944.

Muitos foram os empecilhos que retardaram a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, mas na madrugada do dia 2 de julho de 1944 o Primeiro Escalão da FEB partiu do Porto do Rio de Janeiro no navio norte-americano General Mann para travar a guerra na Europa. Data superimportante historicamente, pois aquela ação, com cerca de 5 mil combatentes, definia a irreversibilidade da participação nacional no conflito. O primeiro escalão da FEB chegou a Nápolis, na Itália, em 16 de julho de 1944. Em 22 de setembro do mesmo ano, partiram o segundo e o terceiro escalões. Em 23 de novembro, seguiu o quarto. E o último partiu em 8 de fevereiro de 1945.

Antes, porém, em 19 de dezembro de 1943, a missão de vanguarda de oficiais brasileiros chega a Nápolis na Itália. Depois, em 16 de junho de 1944, chegaram à cidade italiana os oficiais da FEB, e em 19 de julho de 1944 a bandeira do Brasil foi hasteada no Monte Prano.

Após serem incorporados ao 5º. Exército dos Estados Unidos, em 5 de agosto de 1944, os pracinhas, com rápido treinamento, já iniciam suas vitórias. Em 16 de setembro do mesmo ano, a FEB ocupa Massarosa, Monte Canunale e Il Monte; em 11 de outubro, conquista Braga, e no dia 30, Lama di Sotto, Lama di Sopra, Pradescello, Pian de los Rios, Collo e San Chirico. Enquanto, em 20 de fevereiro de 1945, os aviões da FAB arrasam Mazzancana.

A FEB começa a se destacar como uma força de ocupação militar na “Campanha da Itália”. Também pela forma impetuosa de muitos de seus componentes e pelo respeito aos vencidos. Muitos falam no sentimento de pertencimento que alguns grupos de soldados tinham e que estes procuravam formar uma identidade coletiva. “Não bastava ter lutado. Era necessário ser reconhecido como um soldado, um bom soldado.”

Os pracinhas frequentemente foram reconhecidos pelos seus próprios oponentes como “homens de tenacidade” e "oponentes honrados". Muitos veteranos italianos, por exemplo, com respeito, proclamam que os soldados brasileiros prestaram, em muitas das vezes, honras militares aos vencidos que se dirigiam ao cativeiro, impedindo que aqueles prisioneiros fossem sumariamente fuzilados.

Todavia, a FEB teve batalhas sangrentas e travou lutas desiguais onde horrores inimagináveis foram vividos e muitos dos nossos morreram sem chance alguma de lutar ou sobreviver, dada a superioridade bélica dos inimigos. Tal é o caso da Batalha de Monte Castello, que durou de 24 de novembro de 1944 a 21 de fevereiro de 1945. Diversas tentativas dos pracinhas foram duramente rechaçadas; muito sofrimento foi necessário até que o pesadelo tivesse seu fim. 

Mas a vitória, mais uma vez, foi alcançada pela FEB, graças ao elevado espírito de corpo nascido entre os pracinhas. Naquela batalha, porém, ocorreria mais da metade das baixas fatais da FEB durante toda a “Campanha da Itália”. 

O uso das miseráveis “lurdinhas”, apelido que os pracinhas deram às metralhadoras alemãs MG42, foi implacável. Somente na quinta tentativa é que foi possível aos pracinhas ganharem a batalha e conquistar, enfim, Monte Castello.

Depois, com o moral elevado, a FEB prosseguiu vencendo. Em 5 de março de 1945, conquistou Soprassosso e Castelnuovo.

Entre os dias 14 e 17 de abril de 1945, os pracinhas travaram nova batalha difícil e particularmente importante no início da chamada “Ofensiva da Primavera”. Era a vez da Batalha de Montese, que, apesar das dificuldades, foi vencida também pela FEB.


Em Montese, o povo agradecido batizou uma de suas praças com o nome de "Piazza Brasile", em respeito e homenagem às tropas brasileiras. “A perenne memória dei soldati della Forza di Spedizione Brasiliana che Il 14 aprile liberarono Montese. Montese, 14 de aprile 1995”. Assim se lê hoje em placa afixada naquela praça. 

Especialistas contam que a Batalha de Montese foi uma das mais difíceis e sangrentas, devido à topografia do terreno que em muito favorecia o defensor alemão. Os alemães ofereceram forte resistência, devido à importância estratégica da área. Os campos foram bem minados, diversos contra-ataques com blindados ajudavam na defesa, bombardeios e morteiros foram utilizados. Na época, o Exército alemão era ainda considerado a maior máquina de guerra existente. Todavia, nossos incríveis e valorosos pracinhas venceram também em Montese. 

O general-comandante do IV Corpo-de-Exército Norte-Americano declarou: “Na jornada de ontem, 14 de abril, só os brasileiros mereceram as minhas irrestritas congratulações; com o brilho do seu feito e seu espírito ofensivo, a Divisão Brasileira está em condições de ensinar às outras como se conquista uma cidade.” 

A guerra segue, e já ao amanhecer do dia 21 de abril de 1945, os pracinhas, mesmo sob pesado fogo de artilharia inimiga, conquistam e ocupam Zocca e seguem avançando contra o inimigo. Na época, Zoca era um importante nó rodoviário da região.

“Ou os soldados brasileiros são loucos ou são os melhores soldados do mundo.” Assim afirmava um comandante alemão, dada a forma como os pracinhas marcharam contra o inimigo. Monalto capitulou, também sob a força da FEB.

Em 26 de abril de 1945, as forças alemãs são vencidas pela FEB na região entre os rios Enza e Taro. Em 27 de abril do mesmo ano, é a vez da região de Colecchio ser ocupada. O inimigo continua sendo impedido de avançar até Parma. Ao conquistar Colecchio, a FEB aprisiona quase 600 soldados alemães e captura equipamentos da temida 148ª. Divisão de Artilharia da Alemanha.

Na noite de 27 para 28 de abril de 1945, ocorre mais uma vitória da FEB, após a tropa brasileira que se deslocava em direção a Fornovo di Taro ser surpreendida por tropa italiana da província de Parma, vizinha de Colecchio.

Na madrugada do dia 29 de abril de 1945, os pracinhas tiveram que tomar a cidade de Fornovo di Taro, embora a FEB tenha, em negociações prévias, tentado evitar o confronto na província, situada a uns 13km a sudoeste de Parma, no norte da Itália.

Todavia, com cerca de 200 soldados, com 13 carros blindados e o apoio do 6º. Regimento de Infantaria, a FEB luta e consegue a vitória, conquistando 14.779 militares de três divisões que compunham a 148ª. Divisão de Infantaria Alemã, a 90ª. Panzergrenadier e a Divisão Bersaglieri Itália; bem como cerca de 4 mil animais e em torno de 2.500 viaturas. 

O feito dos pracinhas em Fornovo di Taro foi notável, pois obtiveram a rendição de uma Divisão Alemã inteira. Antes do armistício de 2 de maio de 1945, a Primeira Divisão de Infantaria Expedicionária foi a única a conseguir que uma unidade alemã inteira se rendesse durante as operações no norte da Itália. 

Há de se salientar, também, que a 148ª. Divisão de Infantaria do Exército Alemão, que se rendeu aos brasileiros, integrava a Wehrmacht (Força de Defesa), formada pelo conjunto das Forças Armadas da Alemanha.

E a FEB, já consolidada e reconhecida, avança vitoriosa até ocupar Turim em 1 º. de maio de 1945, não perdendo batalha alguma na “Campanha da Itália”, mas contabilizando um saldo muito grande entre mortos e mutilados. O preço pago pela libertação foi bem elevado.

Segundo a Lei n. 4.623, de 6 de maio de 1965, celebra-se no primeiro domingo do mês, anualmente, o Dia Nacional do Ex-combatente – comemorado em 2020, portanto, no último dia 3.

Pela Lei n. 5.315, de 12 de setembro de 1967, ex-combatente é “todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente”.

Uma potência mundial é forte e soberana porque também é capaz de homenagear com a lembrança e com deferência aqueles que defenderam sua pátria.

Aos pracinhas da FEB sempre o nosso obrigado e reconhecimento. O Brasil “sentou a púa” e “a cobra fumou” para que a Segunda Guerra Mundial tivesse seu fim.

 

* Artigo escrito pelo professor Carlos Magno Corrêa Dias, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), líder fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI) e do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa local (Alep). 

 

Foto: Projeto Memória Brasileira





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